A TRANSFORMAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TICs) EM TECNOLOGIAS DA APRENDIZAGEM E CONHECIMENTO (TAC) NAS ESCOLAS PÚBLICAS BRASILEIRAS

Por JORGE ESCHRIQUI
O sistema educacional brasileiro convive com duas realidades no que se refere ao uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no processo de ensino e aprendizagem na Educação Básica: o ensino público e o privado. Várias escolas privadas se antecipam às inovações implantando métodos e técnicas educacionais de vanguarda, oferecendo aos alunos espaços de aprendizagem diferenciados, com laboratórios sofisticados, bibliotecas informatizadas, centro esportivo, sala de aula virtual, além de organizar excursões pedagógicas para enriquecer os conteúdos curriculares.
No outro extremo, encontram-se diversas escolas públicas, com muitas dificuldades materiais e com excesso de alunos por sala de aula, criando barreiras para o processo de ensino e aprendizagem. Nestas instituições ainda é comum não se encontrarem salas de Informática e, quando há, apresentam computadores danificados por falta de manutenção técnica em decorrência de escassez ou corte de recursos ou por roubo de peças pelos próprios estudantes ou de aparelhos completos por parte de meliantes. É frequente também a existência de salas de Informática com poucos computadores para escolas com centenas de discentes, que dispõem de uma internet lenta que torna praticamente inviável o trabalho com pesquisas, aulas e tarefas digitais nas instituições. Ademais, outros obstáculos que são facilmente observados são a ausência de literacia informática (domínio sociolinguístico que se deve ter da área em termos de conhecimentos e habilidades necessárias à aplicação de conceitos, princípios, recursos materiais e virtuais relativos à Informática) por parte de professores e alunos e a difusão de uma cultura docente de resistência à adoção das TICs ou a sua utilização apenas como um recurso didático para motivar ou controlar os estudantes para que possa ministrar uma aula sobre determinado conteúdo.
Como universalizar o acesso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) nas escolas públicas? Como motivar alunos e professores para aquisição de uma literacia informática mínima para a utilização das TICs enquanto objetos de aprendizagem, isto é, como recursos tecnológicos apresentados em diferentes linguagens e formatos capazes de proverem informações para a construção de conhecimentos durante o processo de ensino e aprendizagem? Como descontruir uma cultura docente de resistência e/ou perspectiva equivocada sobre as TICs na Educação Básica e transformá-las em Tecnologias de Aprendizagem e Conhecimento (TAC) nas escolas do Brasil, possibilitando-se, assim, a re/construção de conhecimentos, formação de atitudes e o desenvolvimento de habilidades nos estudantes?
Uma possível resposta inicial para estes questionamentos seria um plano nacional para a implantação de um Programa de Informática Educacional a partir de um amplo debate entre todos os agentes sociais envolvidos direta e indiretamente na educação do país (administradores públicos, organizações não governamentais, gestores escolares, docentes, pais ou responsáveis e alunos). Dessa maneira, é viável a adoção pelos educadores e estudantes de novas formas de ensinar e aprender por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), enriquecendo-se a práxis pedagógica e ampliando-se as fontes de conhecimento para além dos saberes fechados e estáticos proporcionados pela lousa e pelo livro didático. Frente às demandas sociais de formação de alunos com habilidades e competências aptos para a atuação reflexiva, crítica e consciente diante de um mundo globalizado com transformações aceleradas na economia, nos sistemas de transporte e comunicação e no mercado de trabalho, a educação deve passar por profundas mudanças estruturais e funcionais, que exigem cada vez mais preparo e capacidade de adaptação à nova realidade por todos de todos os agentes envolvidos.
Diante desta constatação, as escolas públicas do país devem oferecer às crianças e aos jovens muito mais que o simples acesso às TICs. Têm o dever também de promover a sua utilização como recurso pedagógico, partindo-se do pressuposto que educar é colaborar para que os alunos transformem suas vidas em processos permanentes de aprendizagem. Conforme defende a teoria conectivista de George Siemens e Stephen Downes a partir do socioconstrutivismo, a aprendizagem é o resultado da capacidade de se construir o que se pretende em conexão com o mundo. A aprendizagem não é apenas uma atividade interna e individual, mas é influenciada também pelas novas ferramentas de aprendizado e mudanças ambientais. Num mundo globalizado caracterizado pela grande quantidade de informações difundidas por meio dos diversos meios e recursos tecnológicos, compete ao estudante ser capaz de encontrar e aplicar conhecimento quando e onde for necessário.
A transformação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) em Tecnologia de Aprendizagem e Conhecimento (TAC) nas escolas públicas brasileiras depende das seguintes ações em linhas gerais:
(1) Implantação de novos ambientes de aprendizagem informatizados, com equipamentos, sistemas integrados, softwares educacionais e manutenção permanente dos equipamentos. É fundamental se obter informações sobre o funcionamento de cada escola, o número de alunos, se há alunos com deficiências e quais são elas, as turmas e os professores. Desse modo, torna-se possível o levantamento das necessidades de mobiliário, instalação dos computadores, periféricos e de kits de ambientação para se iniciar o processo de montagem dos laboratórios de Informática;
(2) A utilização das TICs como objetos de aprendizagem devem constar nos Projetos Político-Pedagógico das escolas. Em outras palavras, os laboratórios de informática educacional devem ser compreendidos como espaços de aprendizagem, levando-se em consideração aspectos como o uso do espaço para o desenvolvimento de atividades extracurriculares, a realização de aulas de Informática como parte da matriz curricular (uma disciplina específica e paralela às demais) e a utilização dos laboratórios pelos professores de todas as disciplinas partindo-se do pressuposto de que o computador é um recurso para enriquecer a prática pedagógica do professor. Não basta a escola pública adquirir recursos tecnológicos. É necessário ter um Projeto Político-Pedagógico capaz de recriar ambientes de aprendizagem que exprimam claramente que cidadão se quer formar, em que sociedade se deseja viver e qual é a instituição de ensino ideal para as gerações futuras;
(3) Os professores devem desenvolver uma aprendizagem colaborativa na qual o aluno não seja um ouvinte passivo de aulas expositivas tradicionais, mas se constitua num sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem. Sem deixar de ter como base para a prática pedagógica uma análise prévia da realidade socioeconômica e da infraestrutura da localidade onde se situa cada instituição de ensino (a facilidade ou a dificuldade dos estudantes em terem acesso fora do espaço escolar à internet, computadores, tabletes, smartphones, etc.), os professores podem estimular o uso da Informática dentro e fora do espaço físico de cada escola como uma estratégia para que os alunos participem mais ativamente das discussões sobre os conteúdos durante as aulas (competência do pensamento crítico), desenvolvam pesquisas e compartilhem os seus trabalhos escolares em redes sociais ou blogs da disciplina ou da escola (competência da leitura e escrita) e tirem dúvidas acerca dos conteúdos abordados. Portanto, os docentes podem ir além da lousa ou quadro branco, dos livros didáticos, das apostilas e do caderno como recursos didáticos, utilizando certos objetos de aprendizagem como o computador (hardware) e os softwares de pesquisa, correio eletrônico e redes sociais ou blogs para estimular a participação dos alunos nas aulas, desenvolver a curiosidade e a busca pelo conhecimento (não se constituindo os discentes em depósitos de conteúdos) e facilitar a interação entre os discentes e entre estes e o professor. O compartilhamento do aprendizado e dos trabalhos escolares realizados pelos alunos ao longo do ano letivo nas diferentes disciplinas possibilita que o conhecimento produzido por cada estudante não fique restrito apenas a este e ao professor, mas que seja difundido com os demais colegas e demais público interessado por meio da rede mundial de computadores. Afinal, como propõe a teoria conectivista de George Siemens e Stephen Downes, a aprendizagem ocorre de várias maneiras em comunidades de prática, redes pessoais e em atividades relacionadas ao trabalho. O conhecimento é um sistema de formação de conexões. Dessa forma, compreende-se que o professor não é o único responsável por definir, gerar ou organizar o conteúdo, contando também com a colaboração dos alunos;
(4) O sucesso de um Programa de Informática Educacional nas escolas públicas está diretamente relacionado também à formação continuada dos professores em informática educativa para aplicação e integração dos conhecimentos adquiridos à prática pedagógica, devendo tal capacitação ser realizada em horários que atendam às suas necessidades e com conteúdos que favoreçam a sua compreensão do significado das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no contexto escolar. O docente deve aprender a utilizar as ferramentas básicas de Informática como processador de textos, editor de desenhos, planilhas eletrônicas, banco de dados, multimídia e internet. Desse modo, ele desenvolverá habilidades para o enriquecimento da prática pedagógica e promoverá as condições para que os alunos possam perceber como a ciência e a tecnologia afetam a vida das pessoas e a sociedade.
Motivados com o processo de ensino e aprendizagem, os alunos compartilharão com as famílias as inovações da escola e as novas aprendizagens. Percebendo o entusiasmo dos filhos, os pais ou responsáveis começarão a acreditar que eles poderão conquistar melhores condições de vida a partir da convicção de que a educação pública de qualidade é o instrumento capaz de conter o crescimento das desigualdades sociais, incluindo e acolhendo a todos, sem distinção.
Referência:
GÓMEZ, Ángel I. Pérez. Educação na era digital: a escola educativa. Porto Alegre: Penso, 2015.



Comentários

TEXTOS MAIS LIDOS