A ESCOLA E A FORMAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO BRASIL

Por JORGE ESCHRIQUI
A formação para o exercício da cidadania é princípio e finalidade da educação em vários documentos do sistema normativo brasileiro, com destaque para a Constituição Federal (CF/ 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nas quais fica estabelecido que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Por esse motivo, é fundamental se compreender como a escola pode efetivamente contribuir para a formação de indivíduos conscientes sobre a garantia e a reivindicação de seus direitos e o cumprimento de seus deveres enquanto aspectos essenciais para o exercício da cidadania. Sem cidadania, é impossível se pensar o ser humano enquanto um sujeito histórico capaz de compreender, atuar e transformar a realidade.
Pensar o papel que a educação deve cumprir para a formação de cidadãos demanda uma reflexão crítica sobre as realidades que vivem e convivem no ambiente escolar, levando-se em consideração as desigualdades e as injustiças sociais que estão historicamente arraigadas na sociedade brasileira. Essas desigualdades e injustiças se constituem em marcas indeléveis de um abismo permanente entre pobres e ricos, entre os excessivamente alimentados e os que sofrem de fome crônica e entre os moradores de palácios e os sem-teto.
Um dos desafios da educação para o século XXI é tornar a escola em um dos possíveis meios para a construção de bases para um novo modelo social, econômico e cultural que conduza a mudanças profundas no processo de formação e evolução histórica da sociedade brasileira. Em outras palavras, a escola deve ter como meta a construção de uma sociedade menos desigual e injusta, o que transcende os muros das instituições de ensino e reforça o seu papel importante para as escolha da nação que se quer deixar como legado para as novas e futuras gerações. A escola é o espaço determinante para que se concretize a ação educativa. Nesse sentido, André Petitat explica na obra “Produção da escola/produção da sociedade: análise sócio histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente” que a escola serve tanto para reproduzir a ordem social como para transformá-la, seja intencionalmente ou não. Afinal, ela é o espaço de socialização de crianças, jovens, adolescentes, adultos e idosos, bem como um lugar de difusão sociocultural. Ademais, trata-se também de um local no qual os sujeitos podem se apropriar do conhecimento produzido historicamente e, por meio dessa apropriação e da análise do mundo que o cerca, num processo dialético de ação e reflexão sobre o conhecimento, manter ou transformar a sua realidade.
Não é por acaso que Gaudêncio Frigotto em “A produtividade da escola improdutiva” defende que a escola é uma instituição social que pode ocasionar mudanças diante das lutas ali travadas por meio de sua prática no campo do conhecimento, das atitudes, dos valores e dos interesses. Portanto, as ações pedagógicas refletem concepções, estejam explícitas ou não.
O papel da educação no espaço escolar e na sociedade requer o fim da ingenuidade sobre as disputas ideológicas presentes. As concepções pedagógicas presentes nos documentos curriculares e as atividades didáticas desenvolvidas no ambiente escolar revelam modelos de formação ofertados aos estudantes baseados em projetos políticos democráticos ou autoritários. Daí a necessidade do questionamento contínuo sobre a escola que se tem no presente e a escola que se deseja construir no futuro de acordo com o tipo de projeto político nacional em pauta num Estado Democrático de Direito. Tal questionamento implica problematizar as ações, articular os segmentos diretamente envolvidos e interessados na educação brasileira e, como se espera numa gestão democrática dos sistemas de ensino, favorecer as instâncias coletivas de participação.
Proporcionar uma educação que possibilite o desenvolvimento do pensamento crítico, que problematize a realidade, que reconheça o território de influência da escola no desempenho de sua função de formadora de cidadãos é o caminho a se seguir para que a educação brasileira seja um fator de mudança do processo histórico de reprodução de injustiças e desigualdades sociais. O processo educativo deve se pautar na realidade, entendida não como algo acabado, mas sujeito à transformação por meio da intervenção humana. Essa intervenção inicia-se ainda na formação dos indivíduos para o exercício da cidadania no ambiente escolar, sobretudo, quando há a integração entre a escola e sua comunidade que proporciona o entendimento de como os fatores além-muros da instituição podem afetar positiva ou negativamente no processo de ensino-aprendizagem e a compreensão de qual a contribuição que pode ser dada pela educação escolar para a mudança daquela realidade por meio de uma aprendizagem significativa que responda a uma multiplicidade de demandas do aluno e do contexto em que vive.
Referências:
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

PETITAT, André. Produção da escola/produção da sociedade: analise sócio histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.



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