OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO?
Por CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Comentários
Postar um comentário
Evitar comentários que: (1)sejam racistas, misóginos, homofóbicos ou xenófobos; (2) difundam a intolerância política; (3) atentem contra o Estado Democrático de Direito; e (4) violem a honra, dignidade e imagem de outras pessoas. Grato pela compreensão.