HENNING BOILESEN, O "GÁS" DO TERRORISMO DE ESTADO (GRUPO ULTRA) E O INVENTOR DA MÁQUINA DE CHOQUE (PIANOLA DE BOILESEN) PARA TORTURA DE PRESOS POLÍTICOS DURANTE A DITADURA CIVIL MILITAR
(Para reflexão sobre a participação do empresariado paulista na Ditadura Civil Militar de 1964 a 1985)
(1) A participação e o financiamento de empresários paulistas nos mecanismos de repressão da Ditadura Civil Militar:
A participação de empresários na conspiração que levou ao golpe de 1964 não é novidade. Em seu livro 1964: A conquista do Estado – Ação política, poder e golpe de classe, de 1981, René Armand Dreifuss garante que se tratou de “um movimento de classe, e não um mero golpe militar”, ou seja, o golpe se concretizou com o envolvimento direto de uma elite orgânica que, segundo Maria Victória Benevides, era composta por empresários, intelectuais, militares e representantes de interesses financeiros multinacionais.
Durante sessão realizada pela Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, em 26 de novembro de 2013, o ex-governador biônico do estado entre 1975 e 1979, Paulo Egydio Martins, afirmou que é difícil encontrar empresa que não tenha financiado o golpe. Segundo o ex-governante, “o volume de dinheiro repassado aos coronéis aumentava a cada discurso inflamado do Jango".
No entanto, as Comissões da Verdade, assim como depoimentos de ex-presos políticos, têm revelado que a participação dos empresários não se restringiu ao golpe. Com os militares no poder, este apoio teve continuidade por meio do financiamento da repressão. Uma Audiência Pública realizada em fevereiro de 2013 pela Comissão Estadual da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, por exemplo, apontou uma estreita relação entre empresários, a embaixada americana e a repressão promovida pela ditadura militar brasileira.
Não há dados precisos, mas sabe-se que foi expressivo o fluxo de dinheiro para a repressão, a partir de coletas na FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e em reuniões promovidas por Gastão de Bueno Vidigal (Banco Mercantil de São Paulo), João Batista Leopoldo Figueiredo (Itaú e Scania), Paulo Ayres Filho (Pinheiros Produtos Farmacêuticos), e o advogado Paulo Sawaia, entre outros. Empresas como Ultragaz, Ford, Volkswagen, Chrysler e Supergel auxiliaram também na infraestrutura, fornecendo carros blindados, caminhões e até refeições pré-cozidas.
Foram criados departamentos de espionagem de empregados recrutando agentes civis e militares. Nos arquivos do Dops há uma profusão de registros, listas e fichas individuais.
As relações entre empresários e chefes militares se solidificaram durante a conspiração contra Goulart. Cristalizaram-se na Operação Bandeirantes, em 1969, quando as atividades repressivas foram centralizadas no II Exército. O êxito da experiência da Oban levou à instituição do DOI-Codi na estrutura militar oito meses depois. A autonomia e o vínculo direto da máquina de repressão com o ministro do Exército, em Brasília, produziu a subversão da hierarquia na caserna. A partir daí, a anarquia, a tortura e a matança se tornaram institucionais.
Em São Paulo, generais e empresários esmeravam-se na lapidação de seu relacionamento com reuniões e solenidades cada vez mais frequentes. Na terça-feira 9 de dezembro de 1970, por exemplo, o chefe do Estado-Maior do II Exército, general Ernani Ayrosa, abriu o quartel para homenagear alguns dos seus mais destacados colaboradores.
Convidou Henning Boilesen e Pery Igel (Ultra), Sebastião Camargo (Camargo Corrêa), Jorge Fragoso (Alcan), Adolpho da Silva Gordo (Banco Português), Oswaldo Ballarin (Nestlé), José Clibas de Oliveira (Chocolates Falchi), Walter Bellian (Antarctica), Ítalo Francisco Taricco (Moinho Santista) e Paulo Ayres Filho (Pinheiros Farmacêutica), entre outros. Ayres Filho levou para casa uma insígnia do comando gravada em metal. Agradeceu em carta, encontrada pela historiadora Martina Spohr. Nela dizia compreender o gesto “mais como um prêmio pela minha lealdade perene aos ideais cristãos e inabalável fé na Liberdade, do que por qualquer contribuição pessoal que tenha prestado às causas e operações no presente”.
Quatro anos depois, com a guerrilha urbana exterminada e a rural asfixiada no mato do Araguaia, o general-presidente Ernesto Geisel anunciou o retorno à democracia. Conservadores sentiram-se desnorteados. A FIESP iniciou uma campanha em aliança com grupos ultrarradicais, como o medievalista Tradição, Família e Propriedade (TFP).
A FIESP coordenou uma espécie de levante contra a abertura política, em 1978. Tentou cooptar o general João Batista Figueiredo, já escolhido pelo presidente Geisel como seu sucessor. Levou-lhe um manifesto empresarial a favor do regime. Perdeu. Prevaleceu a volta aos quartéis.
(2) Henning Boilesen, o "cidadão" da repressão militar:
O avanço conquistado pelas Comissões da Verdade na confirmação do envolvimento de empresários com a repressão, torna pertinente o resgate do documentário Cidadão Boilesen, de 2009, que traz uma série de informações e documentos esclarecedores dessa ligação.
Dirigido por Chaim Litewski, o documentário trabalha com as expressões “dados pessoais” e “curriculum vitae” para trazer à tona a vida pessoal, social, profissional e política de Henning Albert Boilesen, dinamarquês naturalizado brasileiro que assumiu, numa ascensão meteórica, a presidência da Ultragaz, empresa líder no segmento de gás no Brasil, além de ter sido responsável pela criação do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE).
Embora Boilesen se configure como personagem principal, ele é apenas um exemplo daquilo que é o objetivo central deste longa-metragem: desnudar a participação do empresariado nos governos militares, não só apoiando o golpe de 1964, mas também financiando a repressão, voltada, primordialmente, à perseguição e tortura de grupos de esquerda e revolucionários que se opunham ao regime. Para que isso fosse possível, houve um eficiente trabalho de pesquisa sobre Boilesen, resgatando desde a sua infância na Dinamarca até o seu assassinato em 1971. Além disso, o documentário traz depoimentos de familiares e amigos do empresário, ex-militantes de esquerda, militares, jornalistas, ex-governantes, membros da Igreja, ex-agentes da repressão, entre outros personagens importantes da época.
Diante da constação pela História da estreita relação entre o empresariado e os militares, uma dúvida existe: se foram tantos os empresários que financiaram o golpe e, depois, a repressão, por que Henning Boilesen mereceu todo esse destaque, culminando, inclusive, na produção do documentário? O caso de Henning Boilesen era bem particular. Afinal, o empresário não só apoiou financeiramente o golpe e as atividades de repressão, como também participava de sessões de interrogatório e tortura na sede da Oban (Operação Bandeirantes). Boilesen vivia cercado de personalidade policiais e militares; pessoas que estavam envolvidas com a tortura e o Esquadrão da Morte. Entre elas, Sérgio Fleury, grande amigo de Boilesen.
A justificativa de amigos de Boilesen para este nível de envolvimento era a aversão que ele tinha aos comunistas. Achava que o Brasil deveria ser um país livre de comunistas. Ele ficava exaltado quando via comunistas. No documentário, conta-se, inclusive, que ele criou uma máquina de choque elétrico, que ficou conhecida como Pianola Boilesen. Além de participar das sessões de tortura e ceder caminhões e equipamentos do Grupo Ultra para as perseguições a militantes de esquerda, Boilesen tinha um papel central no financiamento da repressão. Era ele um dos responsáveis por recolher os recursos com os empresários.
Inicialmente, não havia informações sobre o apoio de Boilesen à repressão. Sabia-se, apenas, por meio de relatos de companheiros que haviam sido presos, que o Grupo Ultra estava financiando a Oban. No entanto, as constantes visitas de Boilesen à sede da operação chamou a atenção das organizações de esquerda. E com esse nível de envolvimento, era de se esperar que ele tivesse que arcar com as consequências. E foi o que aconteceu. No dia 15 de abril de 1971, ele foi assassinado por militantes revolucionários do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes) e da ALN (Ação Libertadora Nacional), que decidiram por seu justiçamento.
Referências:
BENEVIDES, Maria Victória. 64, um golpe de classe? (Sobre um livro de René Dreifuss). Lua Nova, n. 58, 2003, p. 255 e 256.
DREIFUSS, René A. 1964: A conquista do Estado (Ação política, poder e golpe de classe). Petrópolis: Vozes, 1981.
LITEWSKI, Chaim. Cidadão Boilesen (Documentário). Brasil, 2009, 92 minutos.