COMO A FÉ DO SERTANEJO NORDESTINO AJUDA-O A SE MANTER EM PÉ DIANTE DAS ADVERSIDADES DA VIDA? : CANINDÉ DO CEARÁ E A ROMARIA À FESTA DE SÃO FRANCISCO DAS CHAGAS
Canindé, localizada no sertão cearense, é destino da segunda maior peregrinação franciscana no mundo, atrás apenas de Assis, na Itália, sendo, portanto, uma cidade sagrada ou santuário. A Basílica de São Francisco das Chagas celebra o seu padroeiro entre 24 de setembro e 4 de outubro. Durante os 11 dias de festividades, são esperados cerca de 1 milhão de romeiros na cidade. O deslocamento é feito principalmente a pé, de ônibus, de moto e/ou em "pau de arara", dependendo da situação financeira do romeiro e de sua necessidade espiritual.
A cidade de Canindé situa-se a 120 km de Fortaleza, capital do Estado do Ceará. De acordo com o IBGE / DPE / COPIS, dado relativo ao último censo realizado, Canindé possui cerca 80.000 mil habitantes em uma área correspondente a 3.218 km². O Basílica de Canindé compõe uma das nove regiões episcopais da Arquidiocese de Fortaleza. Devido à importância dentro do contexto religioso, pela presença constante de romeiros e peregrinos na cidade e por haver um ofício católico que domina os ritos e o imaginário popular local, Canindé é considerada uma "hierópolis", ou seja, uma cidade sagrada ou espaço sagrado lócus de atividades agregadas ao sagrado.
Canindé possui em seu complexo estrutural um conjunto de atividades e serviços dedicados ao sagrado, o que confere suporte à participação e manutenção das atividades dos romeiros. Dentre essas atividades podemos citar o templo onde são realizadas as missas, a estátua de São Francisco das Chagas, o museu regional São Francisco, a Capela do Painel, a praça do romeiro, a sala dos milagres, o zoológico da cidade, dentre outras. Essas atividades abrangem, portanto, o roteiro devocional de Canindé compondo assim, a principal rota de visita dos romeiros.
A Canindé do romeiro é que promove, através de sua dinâmica religiosa e de seus significados, uma aproximação do devoto a um ser superior (neste caso, do padroeiro São Francisco das Chagas). A cidade santuário de Canindé é representada por seus templos, colinas, roteiro devocional, dentre outras, e estabelece uma ligação entre o indivíduo religioso e o espaço em questão. É, portanto, o "centro do mundo", lugar de encontro com o ser superior. A chegada à centenária Basílica de São Francisco das Chagas, em Canindé, é o ponto culminante da jornada espiritual dos romeiros. Considerada o coração dos devotos, sua imponência arquitetônica e beleza ilustrativa impressionam os visitantes e refletem a devoção a São Francisco. No altar-mor, encontra-se a imagem venerada do santo, onde os fiéis realizam seus rituais de fé.
Para muitos romeiros, esse momento é de grande emoção, vivido como se fosse o último. Ao chegarem diante da imagem milagrosa de São Francisco das Chagas, eles levantam os braços, choram, suplicam e agradecem pelas bênçãos alcançadas. A necessidade de eternizar esse encontro leva muitos a registrar o momento com fotografias, que guardam como uma lembrança sagrada. Além disso, os devotos expressam sua fé de várias formas. Muitos tocam nas imagens, deixam esmolas nos cofres como sinal de gratidão, e quando não há espaço nos bancos, se acomodam no chão, às vezes até para dormir. Um dos gestos mais comoventes e tradicionais é entrar de joelhos pela porta principal da igreja até o altar, muitas vezes vestidos com a mortalha marrom, símbolo da humildade e da penitência, em honra ao santo que carrega as chagas de Cristo. Esses rituais refletem a intensidade da devoção popular e a profunda espiritualidade que permeia a relação dos romeiros com São Francisco das Chagas.
Em meados do século dezoito, Canindé era um aldeamento de índios vindos dos sertões de Monte-Mor. Não passava assim, de um pequeno núcleo, lugarejo inexpressiva. Habitavam todavia a vasta região alguns fazendeiros que se estabeleciam nas cercanias, vindos na sua totalidade das ribeiras do Jaguaribe e cujas terras lhes foram doadas por sesmarias. Praticavam o pastoreio. A Ribeira de Canindé, local que veio a se originar na atual região onde fica a Basílica de São Francisco das Chagas de Canindé, teve sua origem como data o dia 27 de fevereiro de 1731.
A origem da Basílica se deu com a colonização do Ceará que teve aliado às “Santas Missões”, andanças que eram feitas pelos padres missionários, onde aconteciam missas, batizados, confissões e muitas vezes de forma espontânea procissões, mesmo porque, as pessoas que estavam em determinadas localidades, resolviam seguir o missionário como forma de purgar seus pecados. Desse posicionamento, surgiu no Ceará, a prática das romarias e procissões cujo objetivo era difundir a cultura religiosa do colonizador e ao mesmo tempo, cristalizar os valores da civilização luso-europeia.
Na região de Canindé atuavam a partir de 1758 Frei Manuel de Santa Maria e São Paulo, Frei Bartolomeu dos Remédios entre 1766 e 1770 e Frei José de Santa Clara Monte Falco de 1781 e 1800 que foi o grande incentivador da construção da Igreja de São Francisco das Chagas de Canindé. Com a construção da Igreja de São Francisco das Chagas tornou-se natural que o lugarejo começasse a crescer, pois iniciou-se a construção de residências em torno da edificação religiosa.
Canindé e a fé e devoção do povo cearense e nordestino em São Francisco das Chagas foi tema de composições/canções por diversos compositores e cantores nordestinos, destacando-se, entre eles, Luiz Gonzaga com a sua música "São Francisco de Canindé":
Eu vi terra esfumaçar
Vi graveto estalando ao sol
Eu vi o rio virar
Um deserto de pedra e pó
A noite se avermelhou
De tão quente o céu e o chão
Meu povo se encomendou
Esperando o fim do sertão.
Dê um jeito meu São Francisco
Foi assim que pedi com fé
De repente choveu bonito
O rio encheu de fazer maré.
É triste se acompanhar
O sertão secar e morrer
Compensa a graça de Deus
O milagre do renascer.
Só pode mesmo julgar
Que não é exagero meu
Pessoa de boa fé
Ou então quem por lá viveu.
Obrigado meu São Francisco
Louvo a Deus sua sagração
Tenha sempre ao seu cuidado
O povo humilde do meu sertão.
Não precisa prometer
Ele ajuda a quem tem fé
Fazer bem é seu poder
São Francisco em Canindé.
Após as novenas/missas noturnas (das 18h às 20h15), o Painel de São Francisco das Chagas de aproximadamente 500 quilos é carregado em procissões diárias durante a festa anual por homens e mulheres em procissão (das 20h15 às 21h) da Praça do Romeiro até a Basílica, podendo-se escutar durante o percurso orações e músicas diversas de devoção, como por exemplo, "Caminhando vou para Canindé", "Romeiros de São Francisco", "Miscigenação", entre outras. Na procissão final no dia 04 de outubro (por volta das 17h), carrega-se pelas ruas da cidade a imagem original de São Francisco com mais de 200 anos, que é carinhosamente denominada pelos fiéis como "São Francisquinho". Todavia, o auge dos cultos e das manifestações de fé dá-se com o encerramento diário das atividades durante a festa com a apresentação da relíquia de São Francisco e o canto da "Oração da Paz", cuja letra é atribuída ao próprio santo:
Senhor,
Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.
Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,
Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.
Onde houver Discórdia, que eu leve a União.
Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.
Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.
Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.
Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.
Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!
Ó Mestre,
Fazei que eu procure mais:
Consolar que ser consolado;
Compreender que ser compreendido;
Amar que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
Perdoando que se é perdoado e
É morrendo que se vive para a vida eterna.
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