PERGUNTAR OU AGIR
Por HERBERT JOSÉ DE SOUSA - BETINHO (Sociólogo e ativista dos Direitos Humanos no Brasil)
Como ajudar os milhões de brasileiros que estão na indigência? O que fazer? Nos últimos meses, desde que a Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida está nas ruas provocando a sociedade civil e organizada a se mobilizar contra a fome, os mais diversos interlocutores têm me feito a mesma pergunta. O que me questiono é se devo responder.
Afinal, o objetivo do movimento é provocar, questionar, mobilizar a sociedade. Mas não existem respostas prontas. Existe, sim, a necessidade de que cada cidadão busque fazer a sua parte. A capacidade do brasileiro em ser solidário é enorme. Tão grande quanto a sua dificuldade em entender que cidadania é participação, mobilização, iniciativa.
Cada um na sua rua, no seu bairro, na sua empresa, pode fazer alguma coisa. Não é preciso esperar uma ordem ou uma orientação. Não há regras, diretrizes, receitas prontas. O restaurante onde costumo almoçar distribui refeições à população de rua vizinha, uma senhora me procurou para
doar 150 empadinhas por semana, um produtor de bananas quer fornecer quatro mil bananas por mês, uma empreiteira quer saber onde deposita dinheiro, funcionários de empresas públicas querem doar tíquetes-refeição.
Secretários, prefeitos, empresários, todos me perguntam o que fazer para ajudar. Mas quando uma cidade como Lavras se reúne num comitê, com cerca de 20 representantes da sociedade local, e descobre que o problema da miséria em Lavras pode ser resolvido com 700 empregos, esta cidade está encontrando seu próprio caminho. É descentralizado, é único, é democrático.
O desafio e o sucesso da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida é mobilizar a sociedade civil – organizada ou não – para atender, seja de forma emergencial, seja com medidas estruturais, as necessidades de 32 milhões de brasileiros que vivem hoje na indigência. Marginais de uma estrutura social repleta de esferas de representação – condomínios, associações, sindicatos – estes brasileiros não podem ser ouvidos, vistos, identificados. Por enquanto, somam apenas um frio e escandaloso número, uma estatística da qual cada um de nós deve ter vergonha.
O fim do apartheid social não é apenas dar comida a quem tem fome, mas é trazer de volta, resgatar estes milhões de brasileiros excluídos de todos os seus direitos, excluídos do direito básico de comida, de emprego, da dignidade. E transformá-los novamente em cidadãos brasileiros.
É uma tarefa árdua, mas que depende de que, além de solidários, voluntários, doadores, os brasileiros se descubram cidadãos, conscientes de seu poder de ação e de iniciativa. Não basta depositar dinheiro numa conta bancária para uma doação e nunca fiscalizar como os recursos foram aplicados. Não basta entregar arroz ou feijão em alguma instituição assistencial. É preciso ser cidadão para fazer cidadãos estes milhões de brasileiros que hoje vivem na indigência.
Não creio que o governo seja o fundamental em nenhuma sociedade e muito menos numa sociedade como a nossa. O poder do governo é sempre o poder dominante de uma sociedade. Se você não mudar a sociedade, não adianta mudar o governo. A mudança é aparente, é uma armadilha, é uma mentira. Vivi isso no Chile: 55% da população eram de direita, o governo era de esquerda eleito por 37% dos votos. Deu golpe, deu Pinochet, deu morte. Só agora o processo se retoma e com o filho de Frei na presidência. O pai havia aberto as portas para o golpe.
Por isso, meu olhar e minha atenção estão concentrados sobre a sociedade. Por isso, para mim mais importante que o Estado é a sociedade, mais importante que qualquer governo é a Ação da Cidadania. Esse hoje é o meu credo. Entre o presidente e o cidadão, fico com o cidadão.
É claro que o governo é importante, ninguém ignora seu poder para o bem ou para o mal. Mas o governo é um animal que deve ser controlado pela sociedade, que não pode andar solto, que não salva. Quero democratizar radicalmente o Estado, submetê-lo radicalmente ao controle da sociedade, da cidadania. Não quero o Estado no planalto, mas na planície. Não quero o presidente, mas o cidadão, não quero o salvador, mas o funcionário público eleito para gerenciar o bem comum. Quem decide o nosso futuro somos nós a cada dia, hora, minuto, de uma ação política contínua que não se esgota em outubro ou novembro de cada ano eleitoral.
Para mim, a eleição é importante, mas a História não estará sendo construída nem pelo Estado, nem por esse ou aquele salvador da pátria. Não creio mais em salvadores. Creio em cidadania. A Ação da Cidadania é da sociedade, corre em trilho próprio, autônomo, independente, acima de partidos, igrejas e ideologias: quer acabar com a fome e a miséria, quer gerar empregos, mudar a face desse país, o rumo, o conteúdo e a natureza desse desenvolvimento econômico atual que só interessa a muito poucos. Estou é nesse barco.
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