O FANATISMO SUBSTITUI DEUS POR UM OBJETO FINITO E CRÊ QUE PODE POSSUÍ-LO

(Reflexão: Por que não se deve guiar por nenhum tipo de fanatismo religioso? Fé, sim, é possível, mas sem perder o discernimento e o senso crítico).

Por ADRIEN CANDIARD

Desde a época do Iluminismo, que colocou o conceito de fanatismo na praça pública, a abordagem dominante considera-o como a consequência de um excesso de religião. Logicamente, parece que, para curar esse excesso, a solução é falar o menos possível a respeito. Mas hoje podemos constatar que essa abordagem não funciona: reduzir o espaço do religioso não reduziu o fanatismo, porque o problema gerado por essa atitude é de não ouvir aquilo que os fanáticos têm a nos dizer. Em outras palavras, de não lidar religiosamente com a questão religiosa. Há, portanto, um erro de diagnóstico em não abordar o fanatismo como um erro religioso, mas simplesmente como um desvio social ou psicológico. Na minha opinião, o fanatismo não será combatido se não se levar em conta a religião, mas, pelo contrário, permitindo que os crentes vivam a sua vida espiritual dentro de um quadro religioso sadio.
Embora isto possa parecer paradoxal à primeira vista, acho que o principal erro teológico do fanatismo é não deixar espaço para a fé. Por trás da constante referência a Deus, há uma substituição de Deus por outros objetos, como o culto ou os mandamentos, que certamente fazem parte da prática religiosa, mas não são Deus. Esses objetos finitos e limitados, portanto, são considerados como absolutos e ilimitados, e este é um erro teológico bem conhecido sob o nome de idolatria. E esta é perigosa pelo fato de dar atributos divinos a coisas próximas a Deus. Mas, como Deus é infinito, essa infinitude é o antídoto: o crente que adora a Deus sabe que nunca poderá controlar Deus. O fanatismo, pelo contrário, substitui Deus por um objeto finito e crê que pode possuí-lo.
O fato é que, para vivermos juntos, devemos poder discutir serenamente as questões religiosas e não torná-las marcas identitárias indiscutíveis. A característica do fanatismo não é ir fundo nas coisas, mas desviá-las. Não devemos esquecer que os elementos divergentes não existem apenas entre as religiões, mas também provêm de teologias dentro dessas crenças. O fanatismo, portanto, tem rostos diferentes subjacentes a diferentes teologias. Não há um fanatismo cristão ou um fanatismo muçulmano; o problema é mais complexo. Dito isso, a Bíblia é, para o cristão, um meio menos diretamente divino de alcançar a Deus do que o Alcorão para um muçulmano. Mas eu não acho que a teologia muçulmana clássica leva a idolatrar o Alcorão. Pelo contrário, desde o início, ela se defendeu desse perigo. O quarto califa e genro de Maomé, Ali, enfatizou que são os homens que fazem o Alcorão falar, e não Deus. Quanto a al-Achari, teólogo do século X que fundou uma das escolas mais ortodoxas do sunismo, ele afirmou que o Alcorão não é nem Deus nem outro em relação a Deus: assim, ele sublinha a sua qualidade divina, sem contudo identificá-lo com Deus. O Islã sempre alertou contra a ilusão de uma relação imediata com Deus através da leitura do Alcorão.
No rastro do relatório sobre o ensino do fato religioso na escola, implementado por Régis Debray em 2002, o tema é atualmente abordado sob o ângulo de “fato religioso”, colocando unicamente o folclore em primeiro plano e ignorando o fato de haver um pensamento religioso. É preciso reafirmar que as religiões também trazem reflexões racionais e que, quando se formam mentes para o pensamento crítico, elas não podem ser excluídas do ensino. É preciso preparar os alunos para enfrentar e levar a sério os discursos teológicos.
A oração, na vida espiritual, é o momento privilegiado para entrar em relação com Deus. Mas o que confunde imediatamente quem reza é que não se sabe rezar, que se faz aquilo que se pode, porque Deus é maior do que nós e não pode ser manipulado. Essa descoberta nos torna humildes e nos vacina contra a tentação de um fanatismo: não dominamos Deus, simplesmente busca-se falar com ele em silêncio.
O diálogo inter-religioso entre dois crentes é uma experiência rara, porque só é possível quando existe uma amizade prévia. Quando dois crentes que se respeitam e se amam aceitam dialogar sobre algo tão íntimo como a fé, então ocorre um encontro profundo, e isso os torna infinitamente modestos. Isso implica não se considerar o representante da própria religião para falar em seu nome, mas agir como simples crente. Então, cada um falando da própria experiência de Deus, percebe-se que se tem diante de si um ser humano digno do máximo respeito. Esse diálogo entre crentes não requer nenhuma formação, senão a amizade. Oferece uma espoliação que leva à desapropriação de si mesmo, que é um dos remédios mais poderosos contra o fanatismo: assim deixamos de acreditar que somos donos de Deus.

REFERÊNCIA:
CANDIARD, Adrien. O fanatismo substitui Deus por um objeto finito e crê que pode possuí-lo. In: BOUSENNA, Youness. Entrevista com Adrien Candiard. Le Monde, 19-10-2020. Disponibilizado por Instituto Humanitas Unisinos em: <https://www.ihu.unisinos.br/.../603925-o-fanatismo...>.



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