ESTUDOS SOBRE OS ESTÚPIDOS QUE EXPLICAM A SUA FUNÇÃO

Por JEAN-FRANÇOIS MARMION

Cada um de nós vê, entende e lê estupidez, todos os dias, sem exceção. Ao mesmo tempo, cada um de nós faz, pensa, rumina e fala coisas estúpidas. Todos somos estúpidos ocasionais, que, de tempos em tempos, regurgitamos estupidez sem ligarmos para as consequências. A questão é conscientizar-se e arrepender-se, já que errar é humano e admitir o erro é meio caminho andado para o perdão. Somos sempre o estúpido de alguém, mas muito raramente de nós mesmos... Salvo pela estupidez que ronrona aqui e ali, infelizmente temos que conviver com os rugidos dos estúpidos profissionais, estúpidos majestosos, maiúsculos. Esses estúpidos, com os quais deparamos no trabalho ou nas nossas famílias, não são nada divertidos. Eles nos consternam e martirizam com a sua obstinação pela idiotia medíocre e arrogância injustificada. Perseguem, aprovam e reprovam a seu bel-prazer a nossa opinião, as nossas emoções, a nossa dignidade, tudo com uma simples canetada. Eles contaminam o nosso ânimo e nos impõem o desafio de crer numa justiça que existe nas trevas. Mesmo com toda a tolerância do mundo, recusamo-nos a reconhecê-los como iguais.

A estupidez é uma promessa não cumprida, promessa de inteligência e confiança traída pelo estúpido, traidor da humanidade. O estúpido é uma “besta”, um animal! Adoraríamos respeitá-lo, fazer dele um amigo, mas o estúpido não está à altura — ou melhor, à nossa altura. Ele sofre de uma doença sem cura. E como recusaria receber tratamento, convencido de ser o único caolho num mundo de cegos, a tragicomédia está completa. Não admira que seja fascinado por zumbis, com os seus simulacros de existência, a sua carência intelectual e a sua necessidade básica e imperiosa de rebaixar os vivos, os heróis, os mocinhos à sua condição. Afinal de contas, o estúpido também quer arrancar o seu cérebro: os fracassados não querem ser superados. O cúmulo do estúpido é que, às vezes, ele é inteligente, culto, à sua maneira: ele queimará muitos livros e os seus autores em nome de outro livro, outra ideologia ou do que ele aprendeu com grandes mestres (estúpidos ou não), tamanho é o seu talento para transformar a sua grade de leitura em barras de prisão.

O estúpido por excelência condena sem dar direito a resposta, imediatamente, sem circunstâncias atenuantes, na mera crença das aparências que, além de tudo, não passa de um entrever com os olhos tapados. Ele sabe mostrar-se zeloso para convencer os seus semelhantes, fazer incitações a linchamentos, em nome da virtude, das conveniências, do respeito. O estúpido caça em bando e pensa em manada.

O estúpido considera as suas crenças como verdades gravadas no mármore, embora todo o saber esteja alicerçado na areia. A dúvida enlouquece, a certeza estupidifica, é preciso escolher um lado. O estúpido sabe mais que todo o mundo, inclusive o que se deve pensar, sentir, expressar e como se deve votar. Ele sabe melhor que você quem você é, e aquilo que é bom para você. Se você não concordar com a opinião dele, o estúpido irá menosprezá-lo, insultá-lo e magoá-lo, literal ou figurativamente, para o seu próprio bem. E já que ele pode se arriscar impunemente em nome de um ideal superior, talvez atente contra essa escória a que, na visão dele, se resume à sua existência.

Amarga constatação: a legítima defesa é uma armadilha. Se tentar argumentar com o estúpido, ou tentar mudá-lo, você estará perdido! Portanto, se acha que é seu dever lapidá-lo, então você também julga saber como ele deveria pensar ou se comportar... no caso, como você. Pronto! Você virou um estúpido. Além de ser um ingênuo, pois considera-se apto a enfrentar tal desafio. Pior ainda, quanto mais tenta regenerar um estúpido, mais você reforça as convicções dele: ele ficará mais que contente por considerar-se uma vítima que incomoda e, portanto, tem razão. Assim, você lhe proporciona o reconhecimento para que acredite de boa-fé que é um herói do anticonformismo, digno de pena e admiração. Um resistente... Temeremos a amplitude da maldição: tente melhorar um estúpido e não só irá fracassar como o deixará revigorado... e se transformará nele. Não haveria apenas um cabeça-oca, mas dois. Lutar contra a estupidez tende a reforçá-la. Quanto maior o ataque contra o ogro, mais ele se torna um canibal.

Desse modo, a estupidez não se poderá enfraquecer. Ela é exponencial. Portanto, será que — hoje mais do que ontem e bem menos que amanhã — estamos vivendo a sua época de maior destaque? A novidade da contemporaneidade é que basta um "líder" estúpido para erradicar a estupidez — e, com ela, o resto do mundo. Desde um estúpido eleito até os novilhos demasiado orgulhosos que escolheram o seu açougueiro.

Outra grande característica dos nossos tempos é que, mesmo admitindo que a estupidez ainda não atingiu o seu paroxismo generalizado, ela nunca foi tão visível, desinibida, gregária e categórica. Não adianta entrar em desespero pelos nossos irmãos desviados, mas também não adianta, quem sabe, adotar tal filosofia pela força das circunstâncias, porquanto está cada vez mais difícil negar a vaidade do mundo e o narcisismo de todos, bem como a futilidade das aparências e os julgamentos cáusticos. Uive com os lobos, solte balidos com as ovelhas, mas não exagere em dar uma de cavaleiro solitário, pois eles farão de você um bode expiatório.

O estúpido utiliza, com mais frequência do que se imagina, estratégias para preservar a autoestima. O estúpido é vítima constante do viés retrospectivo. Diante da TV, afirmará: “Garanto que tal candidato será presidente”; e por vezes até comentará com você: “Eu sabia que você ia falar isso!”. O estúpido está agindo de má-fé? O estúpido é um vidente? Não, o estúpido utiliza a frase “eu já sabia” com fins estratégicos, especialmente para parecer mais bem informado do que realmente é: “Eu sei, eu sei...”. Sem dúvida, não adianta falar desses estudos com o estúpido, pois ele negará que funciona dessa forma...

Para proteger a autoestima, muitos superestimam as suas capacidades. Esse viés foi colocado em evidência pelas experiências da psicologia que mostraram que, mesmo em várias áreas do conhecimento, um grande número de participantes se considera melhor do que a média, por exemplo, no que diz respeito à inteligência. Por um lado, temos os “estúpidos dos estúpidos”, os quais acusamos de falta de autoconfiança. Fato é que aquele que na psicologia do senso comum agrega qualidades humanas como simplicidade, humildade e discrição é frequentemente visto como “muito estúpido”, ou estúpido dos estúpidos, ou seja, um estúpido do qual os outros se aproveitam. Do outro lado da moeda, encontramos aqueles que obtêm as notas mais importantes, ou seja, imbecis com excesso desmedido de confiança. O imbecil pode custar muito caro à sociedade quando perde o controle, seja no mar, seja na montanha depois de escapar da pista de esqui, mesmo que se contente, na maior parte do tempo, em superestimar suas capacidades de dominar um veículo em velocidade.

Por fim, o viés egocêntrico nos permite discernir entre o cretininho e o grandessíssimo imbecil, que não se identifica com a origem de sua estupidez. O imbecil se divorciou três vezes, pois trombou com outras três estúpidas; não teve sucesso porque só anda com uma cambada de fracassados. Ainda adolescente, notou que não eram os seus pés que fediam, mas as suas meias. Um dia, foi parado por um guarda de trânsito por estar correndo demais; realmente, sorte é uma coisa que passou longe dele. Para ele é difícil compreender que sorte é apenas a interpretação que os imbecis atribuem às probabilidades.

Quando você está chorando, sempre tem um estúpido para lhe perguntar: Tudo bem com você? Os pesquisadores Dunning e Kruger não poderiam sequer tentar publicar um estudo com o título “Estudos sobre os estúpidos que explicam a sua função”. Uma apresentação dessas ao trabalho dos dois jamais passaria pelos filtros dos comitês de uma revista científica. Apesar de tudo, em seus estudos, eles não mostraram nada mais que isso! Os dois especialistas descobriram que pessoas incompetentes tendem a superestimar o próprio nível de competência. Sendo assim, um estúpido que jamais teve um cachorro explicará como se educa o seu animal... Dunning e Kruger atribuem o viés a uma dificuldade que as pessoas não qualificadas têm em avaliar as suas reais capacidades, considerando determinadas situações. Mas isso não é tudo: segundo os psicólogos, se a pessoa incompetente tende a superestimar o seu nível de competência, ela não chegará sequer a reconhecer a competência de quem a possui.

Graças a esses estudos, compreendemos por que um cliente estúpido gasta o seu tempo explicando a um profissional o trabalho dele, mas também por que, quando perdemos alguma coisa, sempre há um estúpido para lhe dizer: “Espere, onde você a viu pela última vez?”; e ainda por que o estúpido é levado a dizer: “Seja advogado, é fácil essa história de Direito, é só decorar”; “Parar de fumar? Precisa só de força de vontade”; “Ser piloto de avião? É o mesmo que pilotar um ônibus”; etc. Dessa maneira, ao final de uma conferência sobre física quântica, da qual não compreendeu nada, o estúpido olhará bem dentro dos olhos do expert e dirá: “Depende...”.

Dunning e Kruger pensam até que a modéstia deveria nos estimular a não votar, pois somos ignorantes em economia, em geopolítica ou na vida das instituições; incompetentes para apreciar programas eleitorais ou, ainda, para saber o que deveria ser feito para conduzir um país a um caminho melhor... Entretanto, o estúpido dirá, sentado num bistrô: “Eu sei exatamente o que fazer para acabar com a crise!...”.

A estupidez mata! E ela viverá mais que nós. Na verdade, ela enterrará todos nós. Tomara que ela não nos acompanhe até a tumba... O estúpido se supera na capacidade de crer em tudo e mais um pouco, desde teorias da conspiração à influência da lua sobre o comportamento, passando por homeopatia que funciona até para cachorros, pois ele é prova de que é verdade! Demonstrou-se que as lembranças negativas desaparecem com o tempo, e que só persistem as lembranças positivas... Assim, quanto mais envelhecemos maior se torna nossa tendência de ver os ocorridos de forma positiva, o que faz os velhos estúpidos dizerem: “Antes era melhor...”.

Referência:
MARMION, Jean-François. A psicologia da estupidez. São Paulo: Faro Editorial, 2021.



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