SOBRE OS CONCEITOS DE AVALIAÇÃO QUANTITATIVA E AVALIAÇÃO QUALITATIVA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
(AVALIAR PODE SER UM MECANISMO PEDAGÓGICO DE EVASÃO ESCOLAR, REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES E EXCLUSÃO SOCIAL?)
Por JORGE ESCHRIQUI
A partir da década de 1960, surgiram inúmeras críticas aos modelos e práticas de avaliação baseados na concepção tecnicista e quantitativa, caracterizada pelos testes padronizados de rendimento escolar que não proporcionam as informações suficientes para se compreender efetivamente a qualidade do que é ensinado pelo professor e aprendido pelos alunos. Diante da necessidade de uma revisão e superação de um processo avaliativo fundamentado no tecnicismo, diversas correntes pedagógicas e autores propuseram enfoques de avaliação alternativos, com pressupostos éticos, epistemológicos e teóricos diferentes, mas que convergiam para um aspecto em comum: a priorização dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos para o acompanhamento, a análise e a intervenção para a solução de possíveis problemas observados no trabalho pedagógico e aprendizado durante o processo de ensino-aprendizagem.
Dessa maneira, o aspecto qualitativo trouxe para a avaliação escolar uma série de técnicas, orientações e pressupostos metodológicos que se propõem a centrar o ato de avaliar nos processos de descobertas sucessivas e de transformações progressivas ocorridas na aprendizagem e formação dos estudantes. Em outras palavras, esses processos se tornam mais relevantes que a mensuração do aprendizado e a classificação dos discentes realizadas a partir da aplicação de testes ou provas finais, por exemplo. Isso se deve ao fato de que, para os autores e as correntes pedagógicas historicamente favoráveis à avaliação qualitativa, as circunstâncias de vida pessoal do aluno, os ritmos de aprendizagem específicos de cada indivíduo e turma, a cultura escolar e os diversos fatores que intervêm positiva ou negativamente no processo de ensino-aprendizagem (como a motivação, a disciplina, dentre outros) não são objetivos e racionais a ponto de serem empiricamente mensuráveis, isto é, a realidade é bem mais complexa, subjetiva e abrangente do que a capacidade de medição e escalonamento proporcionado por números. Contudo, segundo Maria Teresa Esteban em "O que sabe quem erra? Reflexões sobre a avaliação e fracasso escolar" (2001), "muitas vezes observamos, tanto na sala de aula quanto as propostas que chegam à escola, a manutenção da prática de avaliação fundamentada na lógica classificatória e excludente, ainda que a prática adquira uma aparência inovadora e que o conceito de avaliação escolar associado à quantificação do rendimento do/a aluno/a seja objeto de inúmeras e profundas críticas" (p.121). Não há como se negar a incorporação da abordagem qualitativa como um avanço na proposta de avaliação escolar, inclusive presente na Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional (LDBEN), no artigo 24, inciso V, alínea "a", segundo o qual, a verificação do rendimento escolar observará com um de seus critérios "a avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais".
Isso não impede, porém, de se constatar que há muito ainda a se pensar e mudar na prática avaliativa cotidiana nas salas de aula do país, uma vez que, para Maria Teresa Esteban na obra citada acima, "as concepções qualitativa e quantitativa mantêm o sujeito individualizado e não consideram a dimensão social da constituição da subjetividade, de suas características peculiares, de suas possibilidades, de suas dificuldades, etc.; conservam a concepção de que é necessário harmonizar o indivíduo às condições postas" (p. 122).
Ademais, ainda se confunde avaliar com a possibilidade de medir a quantidade de conhecimentos adquiridos pelos alunos e alunas, considerando o que foi ensinado pelo professor ou professora, isto é, de acordo com Maria Teresa Esteban em "Pedagogia de Projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à democratização do cotidiano escolar" (2004), "a avaliação do desempenho escolar, como resultado do exame que o professor ou professora realizada sobre o aluno ou aluna, ainda é predominante" (p. 86).
Outro aspecto da avaliação que o educador deve ter clareza diz respeito à distinção entre medir e avaliar. Ao se medir um fenômeno por meio de escala, provas, testes, classificação ou categorização, apenas leva-se em consideração dados sobre uma grandeza do fenômeno. Avaliar é mais do que isso, pois implica em se utilizar dessas medidas para se construir o significado dessas grandezas em relação ao que está sendo analisado quando considerado como um todo, em suas relações com outros fenômenos, suas características historicamente consideradas, o contexto de sua manifestação, dentro dos objetivos e metas definidos para o processo de avaliação, considerando os valores sociais envolvidos. A partir dessa definição do ato de avaliar, pode-se concluir que a questão metodológica da avaliação deve ser tratada com pluralidade e maior flexibilidade a fim de contemplar as peculiaridades existentes no cotidiano escolar.
Finalmente, é fundamental também uma reflexão e mudança na cultura escolar de uso da avaliação como mecanismo de classificação dos alunos e das alunas em capaz/incapaz, forte/fraco, bom/mau, etc. Esse tipo de classificação apenas estimula a reprodução de um círculo vicioso de baixa-estima, desestímulo do aprendizado, evasão escolar, intensificação das desigualdades e exclusão social. Afinal, a escola não pode ser um ambiente propagador de uma lógica histórica excludente ainda dominante na sociedade brasileira.
Referências:
ESTEBAN, Maria Teresa. Pedagogia de Projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à democratização do cotidiano escolar. In: SILVA, J. F.; HOFFMANN, J.; ESTEBAN, M. T. (Org.). Práticas avaliativas e aprendizagens significativas: em diferentes áreas do currículo. 3.ed. Porto Alegre: Mediação, 2004, p. 81-92.
_________. O que sabe quem erra? Reflexões sobre a avaliação e fracasso escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
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