INQUISIDORES DE EXTREMA ESQUERDA E ARAUTOS ACADÊMICOS RADICAIS DO "POLITICAMENTE CORRETO", UNI-VOS E QUEIMAI AS OBRAS DE GILBERTO FREYRE!

(TÍTULO IRÔNICO)

Por JORGE ESCHRIQUI
Novamente reforço o meu posicionamento. Uma postura é ser crítico e reflexivo, apontando os equívocos das ideias que compõem o cerne da produção de um autor, sem deixar de vincular os seus pensamentos à formação intelectual, à trajetória de vida, às ideias em voga (ou moda, como se queira) em determinado período e ao contexto histórico social, político e econômico. Outra atitude bem diferente (que não é análise reflexiva e crítica das obras de um autor) é simplesmente desmerecê-las em sua totalidade e de forma descontextualizada e não científica, desqualificando tudo o que foi pensado e escrito como "pensamento reacionário". Ou o que é pior, um indivíduo que se diz professor visitante de universidade federal e pesquisador na área de História simplesmente entrar nas redes sociais e resumir um autor da seguinte maneira: "Oxi, Mario Vargas Llosa era um babaca porque adotava os preconceitos da elite criolla hispano-americana e a sua obra na totalidade não merece ser lembrada". Em outras palavras, o "politicamente correto" é desconsiderar totalmente os aspectos positivos da produção literária do autor, contrariando inclusive análises de alguns especialistas de Faculdades de Letras de diversas universidades, e o seu título de Prêmio Nobel de Literatura (afinal, "o autor ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2010 porque provavelmente era reacionário, preconceituoso e a favor do sistema, não apresentando os seus livros nada que justificasse o referido título que, aliás, o Brasil ainda não tem).
Quando tal postura parte de alguém de fora do meio acadêmico é possível relevar-se e até tentar argumentar e explicar que análises em história intelectual têm um arcabouço teórico-metodológico que demanda uma interpretação das obras de autores mais apurada e sofisticada do que desconsiderar, invalidar, desmerecer ou se propor, como diz o ditado popular, que se pode "jogar fora o bebê junto com a água de banho simplesmente porque ela está suja". Quando vejo tais comportamentos e visões de mundo de professores universitários que são responsáveis pela formação dos futuros docentes que ministrarão aulas na Educação Básica, chego às seguintes conclusões:
(1) Um dos problemas crônicos do magistério da Educação Básica no Brasil é o tipo de formação e capacitação que os educadores vêm recebendo nas faculdades e universidades, sejam públicas ou privadas. Eu achava que tal aspecto resumia-se apenas ao enfoque muito maior nos bacharelados visando o ingresso futuro no mestrado e doutorado. Não. Surgiram-se diversos cursos de pós-graduação stricto sensu em Ensino de História e outras disciplinas, embora eu sinta (talvez esteja equivocado) que ainda permanece no meio acadêmico um preconceito em relação às licenciaturas.
(2) Hoje, descobri que também a formação e a capacitação de professores do ensino superior precisam ser repensadas e que sem isto se continuará despejar docentes despreparados nas salas de aula de escolas pelo país afora. Há problemas específicos da Educação Básica, como o desprestígio social da carreira do magistério, os baixos salários dos professores, as condições ruins da estrutura física de muitas escolas, a sobrecarga de trabalho dos docentes que os impede de terem uma capacitação contínua e conhecerem melhor a comunidade e a realidade dos seus discentes, entre outros. Todavia, percebo que a universidade tem a sua parcela de contribuição no fracasso da Educação Básica. Afinal, o que um aluno de graduação, futuro professor de ensino fundamental e médio, levará de experiência para a sua formação se ele tem alguns docentes de ensino superior que se demonstram intolerantes, donos da verdade histórica, inquisidores e radicais políticos? São estes alunos de graduação que formarão cidadãos pensantes e tolerantes, terão atitudes democráticas em sala de aula e buscarão compreender as suas realidades pessoais e sociais ao invés de simplesmente julgá-los, puni-los ou reprová-los?
A universidade brasileira precisa ser repensada, sim! Até para o bem dos outros níveis de ensino do país. Outro dia li no Facebook a reclamação de um colega que teve o seu artigo negado por um "avaliador" de revista acadêmica de História porque ele fazia menções teórico-metodológicas a autores marxistas e que o Marxismo seria "ultrapassado e mal aceito na universidade". A teoria clássica marxista apresenta sérios problemas teóricos e metodológicos? Lógico que sim. Talvez o pior deles seja o determinismo histórico ao considerar que sempre a prioridade está na infraestrutura (economia) em relação à supra estrutura (política, cultura, sociedade) e crer que necessariamente todos os países e todas as nações do planeta serão conduzidos pela História, ainda que em diferentes momentos, para a etapa de constituição de sociedades socialistas e comunistas. Contudo, daí a pensar que o Marxismo é superado e inútil academicamente, é muito diferente. Soa mais modismo francês e uma certa dose de complexo de colonizado cultural ao se considerar, por exemplo, que somente a Escola dos Annales tem um valor teórico-metodológico. O que o mencionado avaliador de artigo não levou em consideração é que o Marxismo, assim como a Escola dos Annales, também não ficou petrificado no tempo. Em outras palavras, ele não se resume a Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Lênin, entre outros autores. Vieram gerações de intelectuais a posteriori que inseriram novos temas, novas abordagens teórico-metodológicas e inclusive críticas ao Marxismo original. Ou o mencionado avaliador quer dizer que Eric Hobsbawm, Benedict Anderson, Perry Anderson, Edward Thompson com a sua História Vista de Baixo, Caio Prado Júnior, entre outros, não possuem relevância atual nos estudos das disciplinas do curso de História e, para não se estender ainda mais, Paulo Freire, Dermeval Saviani e Lev Vygotsky de nada servem por causa das suas formações marxistas para os cursos das Faculdades de Educação?
Sem adotar preconceitos linguísticos, mas o "oxi" do caro colega professor visitante de História em universidade federal levou-me a concluir que ele é nordestino. Novamente, não é preconceito, antes que me intitulem de racista ou preconceituoso, pois sou filho de mãe nordestina e devoto de São Francisco das Chagas de Canindé no Ceará. Em sua "homenagem" e baseado em suas análises sobre as biografias e obras de autores como simplesmente "babacas" porque elas incorporam as visões de mundo, a formação, a trajetória de vida e contexto histórico das ideias, gostaria de fazer o seguinte questionamento: Gilberto Freyre, intelectual nordestino, escritor, sociólogo, ganhador de diversos prêmios "Ordem do Império Britânico", "Prêmio Machado de Assis" da Academia Brasileira de Letras, "Imortal da Academia Pernambucana de Letras", etc., embora esteja presente com a obra "Casa Grande e Senzala" nas bibliografias dos planos de cursos de disciplinas de História, Sociologia e Antropologia, assim como Mario Vargas Llosa, também deve ser considerado um "babaca", "reacionário" e "defensor das elites agrárias tradicionais portuguesas ou descendentes delas na História do Brasil Colonial", e, por conseguinte, ser desprestigiado e ter a sua produção intelectual apagada da memória e do meio acadêmico?
Afinal, quem era Gilberto Freyre? Era um intelectual oriundo de uma família elitista, latifundiária, proprietária de engenhos e composta de descendentes diretos dos colonizadores brancos portugueses do Brasil Colônia. Foi presidente da União Democrática Nacional (UDN) de Pernambuco, deputado federal na Assembleia Constituinte de 1946, defensor do Golpe Militar de 1964 contra João Goulart e integrante do Conselho Federal de Cultura a convite do presidente da República General Emílio Garrastazu Médici (aquele mesmo, sabe, do auge dos anos de chumbo durante o regime militar?).
Gilberto Freyre exalta Portugal em suas obras por considerar a primeira nação no mundo a fundar a primeira civilização moderna nos trópicos, desconsiderando totalmente a organização social e a cultura dos povos originários que habitavam o Brasil antes de 1500. Aliás, tal pensamento seria utilizado pelo regime fascista de Salazar em Portugal para justificar o discurso colonial contrário à independência de colônias, sobretudo na África. Finalmente, Freyre também desenvolveu a teoria da democracia racial em 1933, durante a Era Vargas, que defendia a tese da convivência harmônica entre as diversas etnias que formaram historicamente a sociedade brasileira, desconsiderando o genocídio de indígenas, a resistência de indígenas e negros, os efeitos maléficos da escravidão para a população negra durante o Brasil Colônia. Tal tese foi perfeitamente incorporada no ideário do Varguismo, pois Getúlio queria impor uma imagem de Brasil como um país de povo desde sempre ordeiro, pacífico e consciente da sua posição e do seu papel de acordo com segmento ocupado por cada indivíduo dentro do estamento social. Ou seja, rebelar-se contra o sistema estabelecido, mobilizar-se coletivamente para contestar a realidade, criticar injustiças e desigualdades sociais, questionar as políticas públicas do Estado eram comportamentos incompatíveis com o legado histórico do período colonial. Afinal, escravos e senhores conviviam amistosamente, sabendo cada qual o lugar que deveriam ocupar na sociedade colonial.
E o que determinados membros do meio acadêmico propõem que se faça com toda a produção intelectual de Gilberto Freyre, uma vez que o autor seria "reacionário", "preconceituoso" e "de extrema direita"? Impô-lo tais rotulações e, consequentemente, desconsiderar a sua obra e importância para as Ciências Humanas no Brasil? Deixar de estudá-lo com abordagens teórico-metodológicas bem fundamentadas e capazes de desenvolver um olhar crítico e reflexivo sobre as suas ideias e a sua produção intelectual? Excluir as suas obras de bibliotecas, livrarias, planos de curso e temas/assuntos de pesquisas de pós-graduações? Ou em nome do radicalismo político e da ausência de um pensamento histórico mais consciente fazê-lo ser esquecido ou até ter os seus livros banidos e queimados dentro das universidades? Afinal, se adotarmos o "raciocínio" do colega acadêmico sobre as obras de Mario Vargas Llosa como apenas um autor "babaca", "preconceituoso" e "reacionário", o que se pode dizer de Gilberto Freyre a partir de uma capacidade analítica deste tipo?



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