A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Por DERMEVAL SAVIANI (Santo Antônio de Posse - SP, 1943. Professor emérito da Universidade de Campinas - UNICAMP e coordenador geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil - HISTEDBR)
Considerando que as caraterísticas especificamente humanas não estão inscritas na genética e, portanto, não são herdadas pelos indivíduos ao nascer, mas são produzidas historicamente, elas devem ser adquiridas por meio da atividade educativa. É, pois, pela educação que os indivíduos da espécie humana se apropriam das objetivações historicamente produzidas e que já se encontram em seu contexto desde o nascimento. E isso não ocorre simplesmente por osmose. Podia antes ocorrer por processos espontâneos. Mas na contemporaneidade já se incorporaram ao modo de vida humano elementos formalmente construídos e sistematicamente elaborados que exigem, também, processos formais e sistemáticos de aquisição. É esse fato histórico que converteu a escola na forma principal e dominante de educação. Entre os elementos referidos destaca-se a questão da escrita, que é o registro da fala, signo sonoro, por meio de signos visuais. Essa passagem reveste-se de grande importância porque objetiva a linguagem em suportes materiais que podem ser transmitidos com grande amplitude no espaço e no tempo, estendendo-se a indivíduos e povos das mais distintas regiões e passando de geração em geração. Como diz o ditado latino, “verba volant, scripta manent” (as palavras voam, os escritos ficam).
Tão fundamental foi esse salto que os historiadores tendem a situá-lo como o marco diferenciador entre a pré-história e a história. E a linguagem escrita, por não ser espontânea e “natural” como a linguagem oral, mas formal e codificada requer, para sua assimilação, processos também formais, sistemáticos e codificados. Não podia, portanto, ser aprendida por um processo educativo espontâneo e assistemático. Exigia, pois, para ser instituída, uma educação específica, formalmente construída. E a instituição escolar veio cumprir essa exigência.
Releva, pois, a grande importância da educação escolar, o que a torna objeto de disputa no contexto da luta de classes. Nesse quadro a classe dominante, que controla o Estado, procura controlar também a educação escolar colocando-a a serviço de seus interesses e limitando o acesso dos trabalhadores aos conhecimentos sistematizados em cujo centro se encontram os conteúdos científicos. Os trabalhadores, por sua vez, se organizam e lutam para, por meio das escolas, ter acesso à forma escrita na qual se expressam os conhecimentos de base científica que são indispensáveis para potencializar sua luta política pela libertação da dominação e construção de uma nova sociedade.
Portanto, a escola pública entra em contradição com as exigências inerentes à sociedade capitalista. Esta, ao mesmo tempo em que exige a universalização da forma escolar de educação, não a pode realizar porque isso implicaria a sua própria superação. Com efeito, o acesso de todos, em igualdade de condições, às escolas públicas organizadas com o mesmo padrão de qualidade, viabilizaria a apropriação do saber por parte dos trabalhadores. Mas a sociedade capitalista se funda exatamente na apropriação privada dos meios de produção. Assim, o saber, como força produtiva independente do trabalhador se define como propriedade privada do capitalista. O trabalhador, não sendo proprietário de meios de produção, mas apenas de sua força de trabalho, não pode se apropriar do saber. Portanto, a escola pública, concebida como instituição de instrução popular destinada a garantir a todos o acesso ao saber, entra em contradição com a sociedade capitalista.
Em suma, na sua radicalidade, o desafio posto pela sociedade de classes do tipo capitalista à educação pública só poderá ser enfrentado, em sentido próprio, com a superação dessa forma de sociedade. A luta pela escola pública coincide, portanto, com a luta pelo socialismo por ser este uma forma de produção que socializa os meios de produção superando sua apropriação privada. Com isto socializa-se o saber viabilizando sua apropriação pelos trabalhadores, isto é, pelo conjunto da população. E escola pública resulta, pois, num instrumento estratégico na luta pela transformação da sociedade atual.
Texto na íntegra disponível na seguinte referência bibliográfica:
BATISTA, Eraldo Ileme; SILVA, João Carlos da. Entrevista com Dermeval Saviani: desafios da pesquisa em História da Educação. In: Educere et Educare: Revista de Educação. Cascavel, Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE, v. 10, n.19, jan./jun. 2015, p. 159-165.
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